Por Ingrid Figueirêdo/coordenação e edição de Sabrina Lorenz/Agência Nossa
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Encaminhada ao Legislativo no ano passado, a Reforma Administrativa ganhou fôlego e começou a andar desde a eleição de Arthur Lira (Progressistas/AL), aliado do governo, para a presidência da Câmara. Hoje, a proposta aguarda apreciação da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), para então ser votada em plenário.
A necessidade de reduzir os gastos da máquina pública e de garantir melhor eficiência nos serviços são os argumentos fortes do governo para a implementação da reforma. No entanto, ao analisar o texto enviado ao Congresso, advogados e técnicos da administração pública ouvidos pela Agência Nossa avaliam que não serão esses os resultados. Segundo eles, a proposta precisa ser alterada para surtir os efeitos necessários e não atropelar pilares da democracia.
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A separação de poderes é fortemente afetada, segundo especialistas, com a ampliação das atribuições do Poder Executivo sobre o Legislativo, como a previsão de que o Presidente da República possa extinguir por decreto autarquias, empresas públicas e órgãos da administração indireta que foram criados por lei; ou então a possibilidade de que prefeitos, governadores e presidente possam gerir recursos do orçamento sem apreciação prévia das casas legislativas.
Lineu Mazano, secretário-geral da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB) prevê que a liberação de mais cargos comissionados aumenta o poder de negociação dos governantes, abrindo brecha para o loteamento da máquina pública com os partidos políticos para ter base governista.
“Fica tudo dentro do poder da caneta de um presidente”, dispara.
Para o advogado Daniel Mitidieri, especialista em Direito Público, a PEC 32/2020, da forma como está escrita hoje, conflita diretamente com dois princípios basilares da Constituição brasileira: o pacto federativo e a separação dos poderes. Segundo ele, a violação ao pacto federativo se dá quando a reforma administrativa pretende regular parte significativa da máquina estatal, que é o agente público, de forma vertical e sem levar em consideração as peculiaridades dos estados e municípios.
“Existe um déficit democrático e a violação à separação de poderes é gritante nesse projeto. O Poder Executivo está retirando do Legislativo, ou seja, da representação popular, algo que tem direta ligação com os serviços que são prestados à população”, comenta o advogado Daniel Mitidieri, especialista em Direito Público.
Procurado, o Ministério da Economia não se manifestou sobre os temas da reforma administrativas até o fechamento desta edição. O ministro Paulo Guedes afirmou, ao apresentar a reforma, que a PEC “pretende trazer agilidade e eficiência aos serviços oferecidos pelo governo, sendo o primeiro passo em uma alteração maior do arcabouço legal brasileiro”.
Paulo Lino, presidente do sindicato dos funcionários do Banco Central, avalia que os novos vínculos contratuais propostos pela reforma indicam alta rotatividade de funcionários, o que, em vez de melhorar, prejudicaria a qualidade do serviço.
Segundo ele, com contratos temporários, terceirizados e um grande número de cargos comissionados, os servidores terão novas barreiras para fiscalizar, regular e punir instituições ou pessoas físicas aliados dos governantes a que estiverem submetidos.
Paulo aponta também que o caráter fiscalista do governo federal é insuficiente para dar conta da crise brasileira e que, para retomar o crescimento seria necessária a formulação de um plano de desenvolvimento econômico do país:
“O governo procura a solução para a crise fiscal do país apenas cortando despesas com pessoal (…) É preciso urgentemente retomar os investimentos e centrar os esforços em aumentar a arrecadação do governo, com o incentivo à industrialização e a consequente geração de empregos”, analisa ele.
Dono da máquina
Os especialistas são unânimes em dizer que da forma como está prevista hoje, a Reforma abre margem para a corrupção no setor público. “A máquina pública agora passa a ter dono. A reforma administrativa, de forma muito subliminar e sutil, passa o recado de que o corpo burocrático do Estado brasileiro vai se transformar num staff do chefe do Executivo”, explica o advogado.
Para Mitidieri, ação combinada entre a PEC 32/2020 e a PEC Emergencial – que prevê redução de até 25% do salário dos servidores – pode até desincentivar o trabalho no setor público. Sem incentivo salarial e com regimes de contratação precarizados, as chances de “captura política” aumentam vertiginosamente.
Comparando as alterações atuais propostas com a situação brasileira no século XIX, quando ainda não existia a lógica de administração pública burocrática, Mitideri analisa: “Podemos dizer, com alguma dose de certeza histórica, que haverá um empoderamento do interesse político pessoal em detrimento de uma lógica de longo prazo”.
De acordo com ele, se aprovada, a Reforma permitirá que arquitetos, engenheiros, ambientalistas, formuladores de política urbana e diversos outros especialistas fiquem sujeitos à alternância de poder, prejudicando “a nossa já frágil qualidade administrativa”.
O advogado também explicou que para se pensar uma proposta melhor de Reforma Administrativa, questões como a transparência orçamentária e a própria gestão de RH deveriam seguir o caminho oposto do que hoje está em pauta.
Fonte: Agência Nossa