O objetivo principal da frente é pressionar o governo para que envie ao Legislativo a proposta de consenso das centrais sindicais e agilizar a tramitação
A criação de uma frente parlamentar mista e suprapartidária despertou a possibilidade de regulamentação da Convenção 151 da OIT pelo Congresso Nacional, em regime de urgência. A proposta defendida pelo senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) foi acatada pelos demais parlamentares presentes à audiência pública realizada pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal, na terça-feira, 9 de abril, e teve apoio unânime das centrais sindicais presentes ao debate.
“Em reunião com dirigentes da CSPB obtive informações sobre a proposta das centrais, que deve ser nosso ponto de partida. As estatísticas mostram que grande parte das greves no serviço público ocorre como pressão para abrir a negociação com o governo. Temos responsabilidade em regulamentar a Convenção 151 e, por isso, proponho a criação da frente parlamentar em defesa dessa questão”, disse Rollemberg.
A formação da frente será coordenada pelos senadores Rollemberg, Paulo Paim (PT-RS), Waldemir Moka (PMDB-MS), Jayme Campos (DEM-MT) e Lídice da Mata (PSB-BA), e pelos deputados Vieira da Cunha (PDT-RS), Policarpo (PT-DF) e Assis Melo (PCdoB-RS). Na opinião de Jayme Campos, a regulamentação depende de vontade política do Executivo. “Ao chegar ao parlamento, a proposta será aprovada em menos de 30 dias”, garantiu. Vieira da Cunha ressaltou que as previsões constitucionais que asseguram revisão geral e anual da remuneração são ignoradas em todas as esferas. “Essa omissão é um desrespeito a esses trabalhadores”.
O objetivo principal da frente é pressionar o governo para que envie ao Legislativo a proposta de consenso das centrais sindicais e agilizar a tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado a tempo de aprovar a regulamentação até a realização da 102ª Conferência Anual da OIT, de 5 a 20 de junho, em Genebra (Suíça).
Ainda visando acelerar a tramitação, o senador Paulo Paim, autor do requerimento para a realização da audiência pública e relator de uma proposta de mesmo teor na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, vai avocar a relatoria de outros projetos semelhantes, inclusive o das centrais, e fará um substitutivo a ser aprovado. O presidente da CAS, Waldemir Moka, se comprometeu a indicar Paulo Paim como relator quando as propostas chegarem à Comissão. “A iniciativa da frente parlamentar de apressar o debate provocará o Poder Executivo para enviar uma proposta ao parlamento”, avalia Moka.
Debate ampliado
O grande número de dirigentes sindicais inscritos levou a presidência da CAS a dividir o debate em três blocos. Na primeira delas, o presidente da CSPB, João Domingos Gomes dos Santos, lembrou que a Convenção 151 foi homologada pelo Brasil em 1978 e só ratificada pelo Congresso 30 anos depois, após ação unitária das centrais sindicais, proposta pela Confederação. A construção do consenso das sete centrais presentes ao debate – exceto a CUT, cujo representante se ausentara do plenário da CAS – em torno das propostas dos senadores Rollemberg e Paim também foi iniciativa da CSPB.
Ele destacou que a norma da OIT traz o tripé essencial para o movimento dos servidores: a organização sindical, a negociação coletiva e o direito de greve. “Desde 2010 reivindicamos a regulamentação do texto. E foi também, num momento de união, que o processo foi reiniciado em março deste ano, com a assinatura do Decreto 7.944/13 pela presidente Dilma Rousseff. Apenas sobre direito de greve do servidor, há dezenas de propostas em andamento nas duas casas do Legislativo, e não podemos ter a visão simplista de que a Convenção se reduz à questão da greve”, ressaltou.
“A Conferência da OIT terá a Convenção 151 como tema central e a regulamentação é fundamental para que o Brasil possa participar como um país que, efetivamente, a aplique”, disse o secretário-geral da União Internacional de Sindicatos de Servidores Públicos (UIS-FSM), Sebastião Soares da Silva. Para ele, também dirigente da CSPB, a regulamentação vai reduzir a “enxurrada” de processos judiciais que visam garantir determinados direitos dos servidores públicos, ainda não definidos em norma legal, como a atividade sindical e o direito de greve. “A Constituição de 1988 prevê esses direitos, mas, por falta de regulamentação, não têm efetividade”
O secretário de Assuntos de Servidores Públicos da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Lineu Neves Mazano, informou que o Brasil possui cerca de 11 milhões de servidores públicos, sendo a segunda maior categoria de trabalhadores do país. Mazano, secretário-geral da CSPB, alertou que, na hipótese de a Convenção 151 não ser regulamentada até junho, as centrais sindicais serão obrigadas a denunciar o Brasil por descumprimento de norma internacional.
“Será uma vergonha política, em junho, na reunião da OIT, o Brasil não ter regulamentado a Convenção”, disse o secretário-adjunto de Relações do Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Pedro Armengol, que atribui à herança de um Estado autoritário e unilateral a dificuldade em regulamentar a norma da OIT. Já o secretário de Serviços Públicos e do Trabalhador Público da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), João Paulo Ribeiro, também dirigente da CSPB, enfatizou que, “apesar de o atual governo ser aberto a acordos, a categoria, legalmente, não possui o direito de negociar com os gestores”.
Na opinião do presidente da Federação dos Sindicatos dos Servidores e Funcionários Públicos das Câmaras de Vereadores, Fundações, Autarquias e Prefeituras Municipais do Estado de São Paulo (Fesspmesp) e representante da Força Sindical, Aires Ribeiro, o “vazio legal” deve ser preenchido pelos parlamentares. “A falta de norma para reger as relações de trabalho no serviço público possibilita que gestores não atendam às reivindicações e retirem direitos dos servidores”.
Jurisprudência
“Espero que esse ato seja um marco na rapidez possível para atender os anseios dos servidores, especialmente dos municípios, que, se não tiverem uma lei emanada desta Casa não serão respeitados em seus direitos”, defendeu o presidente da Câmara Bipartite Governo-Servidores Públicos, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, Mauro Zica Júnior. Ao abrir a segunda mesa de discussão, ele pediu que o parlamento aprove a regulamentação até 1º de maio, data em que se celebra o Dia do Trabalho. “Entendemos que a jurisprudência já é pacífica, mas os governantes teimam em não atender as decisões, ficando os servidores a mercê do humor dos governantes”
O especialista em Negociação do Setor Público do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – Dieese, Max Lemos de Almeida, lembrou a importância do diálogo entre trabalhadores e empregadores do setor privado. “É preciso regulamentar não só a Convenção 151, mas também o processo de negociação, respeitando as especificidades da negociação em si, como o princípio da legalidade e o ciclo orçamentário, que são limitadores do processo como um todo”.
“O direito coletivo do trabalho e, em consequência, o direito sindical, só serão plenos se estiverem presentes os três pressupostos da Convenção: o direito de organização sindical; o direito de negociação e o direito de greve. Essa estrutura triangular, segundo a OIT, deve valer para todo o movimento sindical, inclusive o de servidores públicos”, alertou o diretor de Documentação do DIAP, Antônio Augusto de Queiroz.
O presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Civis da Administração Direta, Autarquias, Fundações e Tribunal de Contas do Distrito Federal – Sindireta, Ibrahim Yusef, criticou que o Estado sempre se omite na questão do servidor. “Essa é uma lacuna que esta Casa precisa preencher, no sentido de buscar a isonomia com os demais trabalhadores. Nós, servidores públicos, conclamamos a nos ajudarem a termos tratamento igualitário em defesa dos serviços e dos servidores públicos”.
“Infelizmente, esse tema vem sendo tratado em momentos de enfrentamento dos servidores com o governo”, disse o deputado Policarpo, lembrando que no ano passado a discussão teve como pano de fundo a negociação coletiva, mas o objetivo era restringir o direito de greve. “Mais de 90 por cento das greves ocorrem por falta de negociação. Não podemos mais ficar à mercê de governos menos ou mais democráticos; é preciso criar regras e as centrais estão levando essa proposta à frente, com um conjunto de entidades”.
A secretária da Internacional de Serviços Públicos – ISP no Brasil, Mônica Valente, ratificou a importância de se regulamentar os preceitos básicos da Convenção 151: da livre organização sindical, com direito à negociação coletivo e greve. “A democracia nas relações de trabalho vem sendo construída e regulamentar a norma da OIT é um passo fundamental para que essa democracia chegue ao serviço público. E isso só vai acontecer com a unidade das centrais, buscada há anos pela ISP. A regulamentação vai além de garantir os direitos dos servidores; ela vai assegurar melhores condições de trabalho e a qualidade dos serviços prestados à sociedade”.
O dirigente da Central dos Sindicatos Brasileiros – CSB, Luiz Gonzaga de Negreiros, disse que o governo está em débito com os servidores públicos, “única categoria de trabalhadores que paga impostos eternamente”. Segundo ele, a regulamentação da Convenção 151 dá aos servidores “direitos que temos, mas não podemos praticar”.
O presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis), Nilton Paixão, pediu à Presidência da República que envie ao Congresso Nacional, com urgência, a proposta que as centrais sindicais já enviaram ao governo, para que comece a ser analisada logo. “Essa audiência dá uma virada histórica no movimento sindical dos servidores públicos e vai surtir frutos rápidos. Seria bom chegar a Genebra, em junho, já com a Convenção 151 regulamentada”, disse.