Ives Gandra, presidente do TST, já admite diálogos, e empresários, sindicatos e juristas analisam.
Diante dos efeitos da crise no mercado de trabalho, com o índice de desemprego fechando 2015 em quase 10%, a flexibilização das leis trabalhistas começa a ser debatida no país. O novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Filho, já sinalizou para mudanças na legislação e na própria Justiça do Trabalho. Nas últimas três semanas, sindicalistas, juízes e advogados trabalhistas têm se engalfinhado em um debate intelectual sobre a melhor forma de aplicar a lei trabalhista durante a recessão. A discussão é o prenúncio do que está por vir em 2016 para milhões de trabalhadores brasileiros, com poucas chances de conseguir aumentos reais.
“A categoria que conseguir ao menos repor a inflação vai poder soltar foguete”, diz o deputado federal e presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (SD-SP). A razão, segundo ele, está na associação dos temas que serão colocados na mesa de negociação neste ano: uma recessão histórica, aumento do desemprego, que pode chegar a 13% no ano, e a inflação de 10,71% registrada no ano passado, a maior desde 2002.
O juiz do trabalho e professor de direito Jorge Luiz Souto Maior afirma que reforma trabalhista no Brasil, historicamente, nunca foi para ampliar os direitos dos trabalhadores. “Sempre há uma intenção não revelada de redução de direitos”, alerta. Signatário de um manifesto em defesa dos direitos trabalhistas, Souto explica que, usando a justificativa de uma “necessária flexibilização” para “a demanda dos novos tempos”, a legislação vem sendo atacada. O juiz diz que as alterações servem para atender as demandas de empresários e se apoiam na confiança do mercado de que, na crise, os sindicatos não conseguirão organizar alguma forma de resistência.
Flexibilização. Em paralelo à questão de quanto será o reajuste salarial, entrou em cena a discussão sobre como fazer o reajuste. Quem levantou a bola foi justamente Ives Gandra Filho, tão logo assumiu o posto no TST. Na manhã de 25 de fevereiro, Gandra Filho, após uma longa negociação, conseguiu que os aeroviários assinassem a renovação de sua convenção coletiva de trabalho. Os trabalhadores conseguiram o que parecia impossível: a reposição integral da inflação de 2015. Gandra mediou o consenso dias depois de a categoria ter ameaçado até atrapalhar a folia nacional, suspendendo voos em pleno Carnaval.
Na tarde do mesmo dia 25, tomou posse como presidente do TST. Em seu discurso, reforçou a importância de acordos como aquele, a ampliação da terceirização e a flexibilização das regras trabalhistas para ajudar o país a sair da crise. No domingo seguinte, o jornal “O Globo” publicou uma entrevista em que ele ia além: defendia a negociação entre as partes para fechar acordos fora da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e disse que os colegas juízes trabalhistas deviam ser menos “paternalistas”, pois muitas vezes davam indenizações de “mão beijada”.
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) reagiu e soltou uma nota. “Ele foi injusto com a categoria”, disse Germano de Siqueira, presidente da entidade e autor da nota. “Além do mais, a CLT não é um entrave: é uma proteção”.
Gandra Filho defende mais mediação entre as partes. “Se não é possível reajustar os salários com a reposição integral da inflação, para cada ponto percentual abaixo da inflação, é preciso que as empresas ofereçam alguma vantagem compensatória atrativa, como a garantia de emprego, ou do nível de emprego no setor, ou benefícios sociais que se tornem depois conquistas da categoria.”
Pior reposição salarial
Segundo o Dieese, na era do Real, o ano mais sofrido para os trabalhadores foi o de 2003, quando o PIB recuou 0,2% e apenas 19% das negociações salariais conseguiram reajustes acima da inflação na época.
Em 2015
No primeiro semestre de 2015, 69% das negociações conquistaram aumento real. Os reajustes acima da inflação se concentraram na faixa de até 1% de ganho real.
Sindicalista teme aumento da terceirização e perda de direitos
Integrante da executiva nacional da central sindical CSP-Conlutas, Paulo Barela teme que uma possível reforma seria voltada para a flexibilização das jornadas de trabalho e aumento da terceirização. O sindicalista aponta que a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e outras centrais sindicais formularam e apoiaram o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que reduz a jornada de trabalho e, proporcionalmente, o salário, aprovado em 2015. Em sua visão, o programa abre espaço para a retirada de direitos trabalhistas, abrindo espaço para novos ataques.
A presidente da CUT Minas, Beatriz Cerqueira, discorda. Ela descreve que a medida foi adotada para proteger os setores mais atingidos pela crise, como a indústria automotora, mas que não significa nenhuma perda de direitos.
Justiça costuma não considerar acordos, lamenta a Fiemg
O presidente do conselho de relações do trabalho da Fiemg, Osmani Teixeira de Abreu, defende a realização de uma reforma trabalhista no país. “Isso é algo que as empresas pedem há muito tempo”, afirma. Para ele, o principal ponto a ser negociado é a forma com que são feitos os acordos entre sindicatos e empresas. O representante das empresas questiona o fato de acordos feitos junto aos sindicatos serem anulados pela Justiça do Trabalho.
“A presunção geral da empresa é que se está na convenção é que sou obrigada a cumprir e tenho o direito de cumprir. E aí vem alguém entrando na Justiça e as empresas acabam sendo condenadas”, descreve.
Seu argumento é que as partes é que sabem o que melhor lhes convém e que não cabe à Justiça fazer essa definição.
A proposta se configura na reivindicação da prevalência do acordado sobre o legislado. Teixeira alega que desta forma os sindicatos ganhariam mais poder.
Entretanto, a leitura das lideranças sindicais é diferente. Tanto Paulo Barela, da CSP-Conlutas, quanto Beatriz Cerqueira, da CUT Minas, concordam e afirmam que a situação é prejudicial aos trabalhadores do país. A proposta da prevalência do acordado sobre o legislado já foi proposta durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), mas foi derrotado. Recentemente, o deputado federal Daniel Vilela (PMDB-GO) tentou anexar essa questão na Medida Provisória nº 680, que institui o Programa de Proteção ao Emprego (PPE).